Terreno da fábrica da Gurgel no Ceará está a venda e está difícil achar comprador

Quase 25 anos após a falência, Justiça ainda busca comprador para parte da área onde seria erguida uma fábrica e que ainda faz parte da massa falida da Gurgel: um terreno de 20 mil metros quadrados em uma das regiões que mais se valorizam no Estado. Novo leilão deve ficar para 2021.

Gurgel X-12 foi um dos maiores sucessos da Gurgel (Foto: Divulgação)

Procura-se comprador! Área total de 20 mil metros quadrados no Ceará, localização privilegiada próxima ao Beach Park. Localizado na BR116 com acesso fácil para a praia, aeroporto e a capital Fortaleza. Interessados em pagar os R$ 2 milhões que a Justiça pede? Nenhum até agora.

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A área descrita é a última parte da área onde seria construída uma fábrica da Gurgel que fazia parte do plano de fabricar um automóvel popular 100% nacional. É também o último bem de valor em nome da antiga empresa. A parte maior do terreno, de 6 milhões de metros quadrados, foi vendida em um leilão para uma fabricante de plásticos que ainda não se instalou no local.

Esse terreno que ainda permanece com a massa falida foi a leilão em maio deste ano pelo valor de R$ 2,4 milhões, mas como não encontrou compradores dispostos a desembolsar os milhões, o leiloeiro abriu prazo para o recebimento de novas propostas e aí surgiram dois interessados.

A primeira a aparecer foi uma enfermeira, de 36 anos, que ofereceu o valor de R$ 400 mil pelo terreno, com entrada de 25% e o restante pago em 30 meses. O segundo interessado foi uma empresa de postos de combustíveis que ofereceu R$ 402 mil pagos a vista. As propostas foram consideradas muito baixas.



A esquerda está a área da Gurgel Motores na BR116, entre Eusébio e Aquiraz, no Ceará (Foto: Reprodução/ TJSP)

Uma avaliação do terreno feita por um corretor da cidade cearense e que consta no processo aponta que o valor de mercado do espaço é R$ 700 mil e que a expectativa é que a venda seja por valor menor que esse. Há um rio que passa pelo terreno e a rodovia a sua frente. O corretor alega nesta avaliação que o terreno já não tem a mesma serventia de anos atrás porque houve mudanças na lei ambiental e nas normas do DNIT, o que torna a área utilizável bem menor do que há 30 anos.

O leiloeiro designado pela Justiça de Rio Claro para conduzir a venda não concorda em reduzir o valor. Por isso oficiou à Justiça de Rio Claro (SP), responsável pelo processo, sugerindo que a pandemia criou um momento atípico e sugeriu que seja feito um novo leilão. No dia 29 de outubro a Justiça analisou o caso, concordou com os argumentos do leiloeiro e decidiu que definirá uma nova data de leilão daqui a quatro meses.

Análise da área aponta que área que pode ser construída de apenas 7,7 mil metros quadrados (Imagem: Reprodução TJ/SP)

Turboway consultou o síndico que atualmente cuida do que restou da Gurgel Motores. Ele confirma que o terreno de Eusébio é o último bem de valor ainda em nome da empresa e que o dinheiro arrecadado no leilão será utilizado para saldar a dívida com os ex-trabalhadores. O valor da dívida não foi atualizado.

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Era tudo mato

O terreno da Gurgel no Ceará está em uma região que vem valorizando muito nos últimos anos. Até a capital, Fortaleza, são 23 minutos praticamente em linha reta. Do terreno até a praia de Porto das Dunas, em Aquiraz, onde está localizado o Beach Park, são 25 minutos. Quando a Gurgel adquiriu a área o parque ainda não existia da forma como é hoje, um complexo com hotéis e atrações.

Também não existiam os condomínios que foram construídos em Aquiraz. Hoje são dezenas, de diversos níveis sociais. Ao lado do terreno está uma das fábricas do grupo M. Dias Branco, que fabrica produtos das marcas Adria e Piraquê, um dos maiores do Nordeste, que também construiu ali um aeroporto. Também são “vizinhos” a Seara e a Facchini, fabricante de carrocerias para caminhões.

Em entrevista à Revista Quatro Rodas em 1992, o proprietário João do Amaral Gurgel, disse que a fábrica iniciaria a operação no final de 1993. Segundo informações do Governo Federal na época, a unidade produziria 60 mil caixas de câmbio e 60 mil unidades de diferenciais e eixos traseiros por ano. Também seriam construídos anualmente 24 mil unidades do BR800 e 2500 do X-12 Tocantins, que consumiriam US$ 138 milhões (valores da época). O engenheiro Gurgel morreu em 2009, aos 82 anos, em São Paulo.

Foto anexada por avaliador mostra área onde já existiu um barracão (Foto: Reprodução/ TJSP)

Caso virou alerta para bancos

Para iniciar a montagem da fábrica, Gurgel pediu R$ 3 milhões ao Banco do Nordeste. Documentos da época acessados por Turboway indicam que em 1990 o Banco do Nordeste se opôs inicialmente ao que Gurgel propunha, que era a importação de equipamentos usados de uma fábrica que a Citroën havia desativado para equipar a unidade do Ceará.

Analistas do banco apontaram que a operação era arriscada dado o poder financeiro da Gurgel na época que poderia não honrar compromissos, mas que os riscos estavam dentro dos padrões aceitos pelo banco, já que foi colocado do outro lado da balança a geração de empregos e o desenvolvimento econômico da região.

Em 1991 o Banco do Ceará (do Estado) entrou no negócio, se apresentando como fiador de Gurgel no empréstimo do Banco do Nordeste (Federal). A dívida seria paga em 48 parcelas, entre 1992 e 1997. A Gurgel então paga as primeiras parcelas e ao perder o apoio do Banco do Ceará resolve colocar os equipamentos da fábrica de Rio Claro como garantia, mas aí começa o calote. Era o fim da Gurgel.

Em 1993 João do Amaral Gurgel chegou a apelar ao então presidente, Itamar Franco, para que o Governo Federal realizasse aportes no projeto, o que nunca aconteceu. O prejuízo final acabou dividido entre a própria Gurgel – que faliu e teve que se desfazer do patrimônio – e o Banco do Nordeste, que acabou sendo ressarcido pelo fiador, o Banco do Estado do Ceará.

O caso gerou um relatório no Tribunal de Contas da União (TCU) sugerindo que a partir dali o Banco do Nordeste revisse sua política de conceder créditos sob risco, como foi o caso Gurgel. As peças que chegaram a ser importadas e ficaram em um galpão no Ceará foram dadas posteriormente ao Banco do Ceará como parte do pagamento da dívida.

25 anos da quebra

A Gurgel teve sua falência decretada em 1996. A época, a família Gurgel atribuiu a quebra da empresa a acordos não honrados pelos governos de São Paulo e do Ceará. Em 1991 a empresa assinou protocolo de intenções para que os governos desses estados injetassem recursos no Projeto Delta, que previa a integração das fábricas de Rio Claro (SP) e de Eusébio (CE) para produzir um automóvel popular.

Os anos se passaram e os governos destes estados não investiram o dinheiro que a Gurgel esperava. O governador do Ceará a época era Ciro Gomes, que declarou em reportagem da Folha em 2001 que o acordo não foi cumprido pela empresa. “A história contada por eles (família Gurgel) é sempre essa. O que não contam é que tomaram um empréstimo em nossos bancos e não pagaram”, disse Ciro à Folha, se referindo ao empréstimo que citamos acima.

O processo judicial de encerramento da Gurgel já caminha para 25 anos e se revelou extremamente complexo. A empresa tinha um terreno na região do Canal do Panamá, para onde exportava e planejava montar uma fábrica no futuro. Desse terreno só restou o documento. A massa falida tenta informações sobre ele há mais de 15 anos, sem colaboração das autoridades locais.

Também faziam parte do processo várias patentes como a do carro com motor de 800 cilindradas e cerca de 10 mil peças retiradas da unidade de Rio Claro. Em um despacho de 2007, o juiz da causa definiu assim o processo:

Arrecadada a maioria dos bens, tentou-se, por anos, em sucessivos leilões, a venda do patrimônio, inclusive por renomado leiloeiro, que dispendeu significativo valor, por sua conta e risco, para o sucesso da venda. Tudo inútil. Os lances, especialmente dos imóveis, chegavam próximos do ofensivo, do enriquecimento sem causa

juízo de Rio Claro, em despacho de 24/05/2007

De acordo com os planos da Gurgel na época, a fábrica de Rio Claro seria responsável pelas carrocerias e essas seriam transportadas para o Ceará, onde seriam finalizadas com toda a instalação mecânica e tecnológica. Essa unidade ficou por anos abandonada com veículos inacabados dentro. Para manter a unidade a massa falida gastou com a contratação de equipes de segurança e mesmo assim não evitou furtos e roubos. Os galpões de Rio Claro foram vendidos e hoje o local é um condomínio empresarial.

Publicada originalmente em

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