Um pedido de mudança de placa de veículo feito na Justiça do Distrito Federal gerou discussão entre internautas. O dono de um Toyota Corolla alegou que é motivo de constrangimento por seu veículo ter as iniciais GAY. Ele teve o pedido negado pelo Tribunal de Justiça que discorda que a placas com a combinação “GAY” seja ofensiva ou jocosa.
Turboway fez uma pesquisa na Justiça e descobriu que o dono do Corolla do DF não foi o único. Encontramos cinco casos em que proprietários acionaram o judiciário para trocar a placa com inicias GAY. As alegações genéricas se repetem: constrangimento e chacota. Também encontramos um caso em que o pedido foi além e o proprietário alega uma hipótese em que os ocupantes do veículo poderiam ter a orientação sexual questionada e virarem alvo de violência.
Fato é que além do debate sobre homofobia e o comportamento da sociedade, em todos os casos observados houve um acionamento desnecessário da Justiça. Explicamos: os sistemas dos Detrans de todo o país permitem a escolha da placa no ato do registro do veículo. Em São Paulo, ao pedir o registro o usuário recebe uma lista com 20 combinações e pode escolher uma delas.
Se o sujeito não tem a capacidade de escolher a própria placa em uma lista de combinações, isso talvez explique por que uma simples combinação de letras seja um problema na vida das pessoas.
No caso do Distrito Federal, o proprietário estava tentando mudar a placa de um veículo usado. Ou seja, ele comprou o veículo já sabendo da combinação. E quase teve sucesso. A Justiça concordou com a mudança em um primeiro momento, mas recentemente o Tribunal reverteu a decisão
Ao decidir, os desembargadores do Distrito Federal ressaltam que “não se é escondendo, mascarando a grafia associada a uma orientação sexual que se extirpa o preconceito, mas através de políticas de educação e conscientização da população”.
“Violência e orientação sexual questionada”
Um Porsche Cayenne comprado por uma empresa de São Paulo em 2019 também foi objeto de uma ação parecida na Justiça. Segundo a ação, o emplacamento teria sido conduzido pela concessionária e o proprietário foi “surpreendido” com a combinação.
Para pedir a troca, o representante da empresa alegou que poderia ser vítima de violência se o veículo continuasse com a placa, porque as pessoas poderiam deduzir que o ocupante é homossexual. Veja trecho retirado do processo:
“(…) diante das constantes lutas da população LGBT para afirmação em nossa sociedade, o que lhes é digno e de direito, certamente terceiros podem fazer referências equivocadas à requerente, aos seus sócios e aos ocupantes do veículo emplacado GAY, presumindo que as placas do veículo externem a opção sexual dos mesmos, que de fato não é a homoafetiva. De mais a mais, não apenas à confusão quanto à sua orientação sexual e a prejulgamentos e chacotas estarão a requerente e os usuários do veículo em tela expostos, mas também à violência.”
A Justiça negou a mudança de placa. Em decisão de dezembro do ano passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que o trâmite do emplacamento foi feito de maneira adequada e que a placa deve continuar com o veículo até o fim de sua vida útil, como qualquer outro veículo que esteja registrado no país.
“Placa causando polêmica”
Outro caso de pedido de troca de placa foi feito em 2016 no Guarujá, litoral sul de São Paulo. O dono de uma moto Honda CG alega que comprou o veículo zero e teria sido “vítima” do próprio despachante. Segundo narra, quando foi retirar o veículo ele já teria sido vítima de chacotas de um funcionário do despachante. “Você já viu a sua placa?”, teria dito.
O motociclista então entrou com uma ação na Justiça alegando que “a placa está causando polêmica” e pedindo a mudança e uma indenização de 20 salários mínimos por danos morais. O detalhe é que o pedido de indenização foi feito contra o Detran e não contra o despachante, que ele mesmo alega não ter dado opções de outras combinações de placa.
A Justiça negou o pedido de indenização, mas deferiu a troca de placa. Na decisão o juiz ressalta que infelizmente existe preconceito e que o fato poderia gerar reações hostis ou jocosas e assim causar dano ao dono da moto.
O mesmo pedido foi feito no mesmo ano em uma ação na capital pela proprietária de uma moto Yamaha. Ela alegava ser vítima de chacotas. Neste caso a Justiça indeferiu, informando que se não queria a placa a autora “deveria ter feito uma escolha mais criteriosa”.
“Constrangimento ao senhor de idade”
Em Mogi das Cruzes o Turboway encontrou na Justiça o pedido de um proprietário de um veículo Chevrolet Cruze que fez pedido semelhante. Alegou que comprou o veículo zero quilômetro e que o despachante lhe mandou cinco combinações para escolher. Por um lapso, não percebeu que escolheu a placa com as letras “G, A e Y” e por isso recorreu à Justiça para mudar.
Segundo a proprietária, o veículo ficou por mais de um mês sem emplacar porque segundo palavras do processo “queria evitar o constrangimento de um senhor de 60 anos, que guiaria o carro”. A motorista nega que o pedido tenha relação com homofobia. O juiz indeferiu o pedido porque a autora teve a chance de escolher a combinação e além disso não comprovou no processo que houve negativa do Detran em fazer a troca. Após isso o veículo foi enfim emplacado.
Placas não podem ser mudadas
A mudança de placas de um veículo só é permitida em casos muito específicos, como por exemplo no caso de clonagem em que o veículo clone causa uma série de prejuízos ao dono do veículo real. Ainda assim, a troca só acontece após um processo administrativo criterioso do Detran. A autorização judicial dada ao proprietário da moto mencionada acima é algo difícil de acontecer.
No caso de troca de placas para o padrão Mercosul, as três letras iniciais permanecem e apenas é trocado o quinto caractere da placa, que agora é uma letra e antes era um número. Também não é permitida a troca dos demais caracteres antigos quando há a troca para a placa neste padrão.