Por causa das novas regras para produção e comercialização de carros na Europa, é provável que massificação do carro elétrico seja adiantada em quase uma década.
Foi no apagar das luzes, quase no fim do prazo, que União Europeia e Reino Unido – agora tratados de forma separada – conseguiram formalizar o Brexit. Um dos principais entraves para o acordo foi o setor da indústria automobilística e sua complexidade histórica no continente europeu.
Ao longo das décadas, a indústria de carros criou tentáculos em vários países do continente. Alguns exemplos práticos: 60% dos componentes de carros usados na indústria britânica vêm da União Europeia. 80% dos veículos fabricados em solo britânico são comprados por países da UE. A Renault-Nissan, franco-japonesa, possui uma grande fábrica em Sunderland, Inglaterra. O Grupo PSA, francês, é dona da Vauxhall, inglesa.
São muitos os exemplos. O grupo BMW, alemão, fabrica a maioria dos Mini na Inglaterra. Mesmo para quem nem fabrica carros em solo britânico a relação é íntima. A espanhola Seat confia nos ingleses o seu terceiro maior mercado, atrás apenas da Alemanha e da própria Espanha. Os britânicos só compram menos Mercedes-Benz do que chineses, americanos e alemães.
Esse complexo emaranhado que se tornou a indústria automobilística europeia atrasou o acordo pela saída do Reino Unido da União Europeia e só saiu do papel após outra complexa costura na lei.
A regra de origem
Ficou definido que todos os modelos lançados terão que seguir a chamada regra de origem. Em síntese, todo carro terá de ter pelo menos 55% de peças locais para poder ser comercializado sem taxas entre RU e UE. Se um carro tiver 54% de componentes locais ou menos, pagará sobretaxa de 10%, neste caso uma medida vital para um esfriamento nas vendas.
Os britânicos comemoraram a medida, pois no início das negociações correram sérios riscos de terem seus modelos taxados não importasse a quantidade de peças locais, sem contar uma possível regulação por cotas, descartada ao fim das negociações. Mas ainda é um ponto a se trabalhar, pois, como dito no começo da reportagem, a maior parte dos componentes da indústria nacional vem de fora da ilha da Grã-Bretanha. Além da UE, a Turquia é quem mais abastece com peças o mercado do RU.
A mudança vale para os dois lados, portanto a União Europeia também terá que ter pelo menos 55% de peças locais. Mas há uma vantagem evidente. Vale a regra do bloco, que uniformiza todo o território em um só. Em outras palavras, um Volkswagen fabricado na Alemanha com 20% de peças alemãs, mas outros 35% de peças francesas ou de outros países do bloco europeu já se enquadrará na nova regra.
Haverá uma nova acomodação na indústria, com reflexos ainda não muito claros de quem sairá ganhando ou perdendo em vendas. Mas uma coisa é certa. O elétrico sairá ganhando.
Exceção para o elétrico
O Reino Unido conseguiu comprovar nas negociações que não conseguiria se adequar as regras do 55% de peças locais para os carros elétricos. Até mesmo para a União Europeia seria difícil, já que todas as baterias são importadas a menor custo de países asiáticos e, querendo ou não, as baterias representam uma boa porcentagem de um carro elétrico. E não é da noite para o dia que você constrói fábricas de baterias.
Assim, ficou definido que a regra de origem não vale plenamente para os veículos elétricos neste primeiro momento. Até 2023 o conteúdo local deverá ser de apenas 40%, de 45% em 2024, 50% em 2026 até chegar aos 55% em 2027. Serão 6 anos para se adaptar ou seja, 6 anos de investimentos em carros elétricos, incluindo fábricas de baterias em solo europeu.
Como o Reino Unido tem como meta proibir a venda de veículos a gasolina e diesel em 2035, o plano de eletrificação massiva já estava em curso. Agora, com a nova meta de peças locais para elétricos até 2027, é provável que todos os aportes da indústria automobilística sejam direcionados para os carros elétricos. Em outras palavras, é certo dizer que o Brexit irá adiantar em quase uma década a massificação sem retorno dos carros elétricos.