O governo anunciou a retomada do imposto de importação para veículos elétricos ou eletrificados já a partir de janeiro de 2024. A retomada será de forma escalonada e terá carga máxima a partir de 2026. Haverá uma cota de importação isenta, que diminui a cada ano.
Dois atores participam deste assunto. De um lado, as fabricantes de veículos nacionais, no nome da Anfavea. E do outro a ABVE, a associação que atende os interesses das montadoras de veículos eletricos. Esta última deve ser, neste primeiro momento, a mais prejudicada.
Como era?
Até então, a importação de carros elétricos era isenta da mesma carga de impostos que era cobrada de veículos a combustão de fora do país. Com isso, os preços dos elétricos ao consumidor ficava competitivo no nosso mercado, e mais modelos eram lançados e vendidos. A BYD, por exemplo, acaba de anunciar a versão topo de linha do Dolphin para o Brasil.
Mostramos, recentemente, que as vendas de carros eletrificados mais que dobraram no Brasil, ainda que isso não tenha trazidos grandes impactos, ainda no nosso mercado. A preferência esmagadora, ainda é pelo carro flex. Mas era possível ver, mês a mês, ano a ano, que mais brasileiros se interessava e experimentava a compra de um carro elétrico.
Como fica?
A partir de janeiro, todo modelo elétrico receberá uma carga de impostos que incidirá no preço final. No caso dos puramente elétricos, a carga será de 10% já em janeiro, 18% a partir de julho de 2024, 25% em 2025 e 35% em 2026.
Na prática, um BYD Dolphin, que custa R$ 150 mil hoje, em janeiro passaria a custar R$ 165 mil, só com o repasse da carga de impostos. E o preço saltaria para mais de 200 mil em 2026. Só pelo aumento de impostos.
A carga para os híbridos leves será de 12% em janeiro de 2024, 25% em julho de 2024, 30% em 2025 e 35% em 2026. Para os híbridos plug-in, a taxa subirá 12%, 20%, 28%, e 35%, nos mesmos períodos. Todos os modelos minimamente elétricos ficarão mais caros a partir de uma canetada.
O governo federal anunciou também cotas de importação, que na prática farão os preços subirem menos. Assim como na carga de impostos, as cotas também serão escalonadas. Para os elétricos, a cota de isenção será de US$ 283 milhões até julho de 2024, de US$ 226 até julho de 2025 e de US$ 141 milhões até julho de 2026, deixando de existir a partir dali.
Para os híbridos, as cotas serão de US$ 130 milhões até julho de 2024, de US$ 97 milhões até julho de 2025, e de US$ 43 milhões até julho de 2026.
Por fim, para os híbridos plug-in, elas serão de US$ 226 milhões até julho de 2024, US$ 169 milhões até julho de 2025 e de US$ 75 milhões até julho de 2026.
“Temos de estimular a indústria nacional em direção a todas as rotas tecnológicas que promovam a descarbonização, com estímulo aos investimentos na produção, manutenção e criação de empregos de maior qualificação e melhores salários”, justificou o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin.
E depois?
Depois de 2026, importar carro elétrico ou híbrido será praticamente inviável, já que os preços serão muito acima do que o consumidor espera pagar. A única possibilidade é que as montadoras já presentes no país, ou as que ainda não estão, passem a produzir modelos em território nacional em tempo recorde.
As alíquotas acima se referem a modelos importados. Se eles forem nacionalizados, deixarão de existir. É nisso que aposta o governo federal. Por outro lado, quase nunca uma montadora consegue nacionalizar um modelo pelo mesmo preço que ela faz lá fora.
As montadoras chinesas, líderes em eletrificação, não irão conseguir produzir os mesmos modelos por R$ 150 mil. A China paga menos para o trabalhador local, que faz jornada maior. A carga de impostos lá é menor do que aqui. E a oferta de peças por lá é muito maior, muito mais consolidada.
Na prática, os veículos aqui custarão menos do que os com 35% de impostos, mas mais do que o que eles custavam antes da taxa da importação. Um BYD Dolphin não passaria a custar R$ 200 mil, mas também não custará R$ 150 mil como custa hoje…
Quem ganha?
O governo não se importa muito com o preço que o consumidor irá pagar ao fim do processo. O que vem antes são as vagas de emprego que as montadoras criarão no Brasil ao trazerem a produção para cá e, principalmente, o quanto elas criarão em receitas, pagando impostos aqui.
Mas é inegável que o consumidor perderá com o anúncio, que está sendo colocado em prática cedo demais. A eletrificação da frota de veículos é algo primordial nos dias de hoje. É preciso que governos do mundo todo incentivem toda e qualquer ajuda na fabricação e venda de modelos elétricos e híbridos.
A China, por exemplo, abriu mão de muitos impostos, durante mais de década, para que o mercado local se consolidasse. Só recentemente ela passou a cobrar carga cheia, assim que o país passou a dominar mercados mundo afora. A essa altura, o chinês já consumia freneticamente modelos elétricos em seu mercado interno. Não havia mais motivos, de fato, para dar incentivos fiscais.
No caso brasileiro, muito atrasado em eletrificação, a única saída para eletrificar a frota de forma rápida é trazendo modelos prontos de fora. Só assim a gente cria campo de forma massiva para a eletrificação. Lembrando que colocar na cabeça do consumidor que o elétrico traz benefícios é algo difícil e demorado. A importação de elétricos ajudava a criar essa mentalidade.
Quando estávamos começando a criar esse campo, comemorando a adesão de uma massa ainda pequena de brasileiros, o governo federal foi lá e jogou um balde de água fria. A tendência é espantar este pequeno número de consumidores, e jogá-los de volta aos defasados modelos a combustão.
Até porque o prazo dado pelo governo para a cobrança total de impostos e de cotas de isenção não será suficiente para o investimento de montadoras no país. Não se cria um parque elétrico da noite para o dia. De onde vão vir as baterias, até hoje uma luta global? A cadeia industrial de autopeças irá acompanhar? Que outros incentivos o governo criou para trazer investimentos de fora? Nenhum.
O governo federal se apega a pequenos movimentos, como o da BYD, que anunciou recentemente a chegada a Bahia para a fabricação de elétricos. Os invesimentos anunciados, de R$ 3 bilhões, são importantes, mas apenas um grão de areia neste mercado que movimentará trilhões de reais no futuro.
Anunciar incentivos fiscais para a implantação de mais fábricas de modelos elétricos no Brasil era o mínimo que deveria ser feito no anúncio de cobrança de impostos para importados. Não foi o que aconteceu. Ou o governo decidiu abraçar as fabricantes nacionais sem pedir nada em troca, ou então achou que a medida irá gerar caixa. Nenhuma das duas faz sentido. Nenhuma. Vamos continuar sendo o ultrapassado país que prefere queimar carbono e que assiste países emergentes crescendo mais do que a gente.
Não dá para dizer ainda quem ganha com a medida. Mas é muito claro afirmar quem perde: todos nós.