No dia 31 de janeiro de 1980 o engenheiro João do Amaral Gurgel estava contrariado com o governo brasileiro. Seis anos antes ele havia mostrado ao então presidente, Ernesto Geisel, o projeto do Gurgel Itaipu. Passados seis anos ele ainda aguardava sentado por qualquer incentivo do governo ao modelo de carro elétrico.
O Itaipu foi o primeiro modelo de carro elétrico nacional com pretensão de ser um veículo de produção em série. Muito longe da tecnologia atual, o Itaipu era um produto simples e com várias críticas, como explico abaixo, mas que carregava um conceito inovador naquele momento.
Elétrico da Gurgel foi apresentado em 74
O projeto foi apresentado ao público e também ao presidente Geisel em 1974, no Salão do Automóvel de São Paulo. Era o “Itaipu E150”, carro de apenas dois lugares que recebia o nome da usina situada no Paraná, maior empreendimento estatal da época que marcava o avanço do país na área de energia limpa.
A usina foi inaugurada em 1984 como um grande projeto estratégico nacional, mas o modelo que poderia coroar o avanço do Brasil na mesma área não passou de 27 unidades produzidas.
Ao jornal OGlobo, de janeiro de 1980, o engenheiro Gurgel disse: “Os investimentos no programa do álcool têm sido enormes. Agora, acho que é chegada a hora de voltar a atenção também para outros tipos de energia, como a elétrica, que tem a vantagem de ser gerada pelas mais diversas fontes“.
Era um desabafo de Gurgel por ver sua ideia de carro elétrico não ter recebido até então qualquer sinalização de incentivo por parte do governo. “Não podemos nos esquecer que o veículo movido por derivado de petróleo é o responsável por um dos grandes males do mundo de hoje: a poluição do ar. O carro elétrico não polui o ar, nem causa poluição sonora, outro problema da humanidade“, disse na entrevista.
As revistas da época davam o tom sobre a criação de Gurgel: era um veículo lento e demorava demais para recarregar. Isso o afastava de ser uma solução prática (lembre-se que estamos falando de 40 anos atrás), mas era um produto que poderia ser melhorado, principalmente com um eventual apoio do governo.
Como era o Itaipu E150
O Itaipu E150 foi um carro de apenas 2,5 metros de comprimento, 780 kg e capacidade para duas pessoas (como comparação, o Fiat Mobi pesa, em média, 965 kg). Dois terços do peso do modelo da Gurgel eram apenas da bateria. O motor de 3kW gerava apenas 4 cv. O motor era importado.
A velocidade máxima de 60 km/h. A autonomia era 80 km e o carregamento poderia ser feito em 8 horas. Gurgel tinha até uma boa ideia para isso: sugeria que o comprador de um Itaipu fizesse o carregamento de madrugada, assim evitando que o carregamento de vários carros ao mesmo tempo colapsassem o sistema elétrico do país.
As baterias eram de chumbo-ácido, importadas, mas Gurgel pretendia em algum ponto do futuro que elas fossem feitas no Brasil. Baterias de chumbo são pesadíssimas e altamente nocivas ao organismo. Os carros elétricos atuais utilizam baterias de íons de lítio, como destacou a revista Autoesporte.
Apesar do fracasso do Itaipu E150, a Gurgel ainda colocou no mercado um outro Itaipu, o E400, um carro maior para 5 passageiros (foto abaixo). Era mais potente, o motor de 10kW permitia velocidade de até 75 km/h. Esse teve mil unidades produzidas, mas foi produzido apenas entre 1981 e 1982.
E foi só em 1982 que o governo brasileiro anunciou que tiraria do papel um programa de incentivos para o carro elétrico no país. O programa nunca saiu. O medo do governo era que a indústria do carro elétrico interferisse na “menina dos olhos” do plano militar da época, que era o Próalcool, o programa de desenvolvimento do carro à álcool.
Carro elétrico de Gurgel surgiu em período de crise do petróleo
Vale contextualizar que o carro elétrico de Gurgel nasceu em um momento onde o mundo vivia uma crise do petróleo. Em 1973 o petróleo triplicou de preço. Era uma crise causada por uma disputa entre Israelenses e Palestinos. Na época, árabes e israelenses entraram em conflito e países do ocidente consideraram apoiar Israel na disputa.
Os países árabes, super produtores de petróleo, resolveram subir o preço e ameaçaram boicotar países de fora que resolvessem apoiar Israel. Com o preço do barril em disparada, muitos países foram desembarcando de tomar um lado na guerra.
“Engajando” compradores
O modelo de carro elétrico de Gurgel se baseava em projetos que eram desenvolvidos também no exterior. Na época a Suécia testava caminhões elétricos em empresas de serviços públicos.
Gurgel fez o mesmo aqui: cedeu e vendeu parte de seus elétricos à Telesp e Telerj, uma tentativa de mostrar que a tecnologia era uma realidade e “engajar” possíveis futuros compradores. Ainda que não tenha dado certo, não há como ignorar o trabalho do engenheiro Gurgel.
*O artigo acima foi escrito com pesquisa jornalística nas publicações da época.