Fábrica da GM construiu clássicos e mudou cidade do interior paulista

Era 10 de março de 1959 quando o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira declarava inaugurada a fábrica da General Motors em São José dos Campos. Saía nesse dia da linha de produção o primeiro motor GM fabricado no Brasil. Essa unidade deu o pontapé para o projeto de popularização da GM no Brasil, ajudou na transformação de São José dos Campos que até então tinha a atividade rural como carro chefe e marcou o avanço da política favorável à indústria automobilística no país – bandeira da administração JK. Sem saber em 1959, a fábrica da GM construiu clássicos e mudou a cidade do interior paulista.

- CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE -
Terreno da GM em trecho marginal à Rodovia Presidente Dutra (Foto: Acervo/GM)

O complexo industrial de São José dos Campos possui 8 fábricas e já produziu mais de 5,9 milhões de unidades nos últimos 60 anos. São 2,7 milhões de metros quadrados onde já foram construídos sucessos de venda, como o Chevette, o Kadett e o Corsa. Atualmente apenas S10 e Trailblazer são fabricados.

A chegada da GM em São José dos Campos era parte de uma estratégia dos governos da época. “Na época, o governo de São Paulo resolveu incentivar a instalação de fábricas em regiões distantes até 100 quilômetros da capital, para reduzir a concentração industrial na capital. São José se enquadrava nestas condições e tinha a Via Dutra e a ferrovia na porta da fábrica”, contou o historiador Edo Paiotti a este repórter.

Na frente da fábrica está a via Dutra, na parte traseira a antiga ferrovia Rio-São Paulo (antes, Central do Brasil). Segundo informações disponibilizadas pela GM o que também contou para a escolha do terreno foi a infraestrutura de linhas de energia que já passava pelo local.



Mudando a cidade

Era a época de popularização do automóvel no Brasil, em detrimento do transporte ferroviário. Foi o que atraiu grandes empresas automotivas estrangeiras para o país, como a própria GM, a Ford e a Volkswagen. Uma revolução para a época, principalmente para as cidades do interior, que tinham a economia baseada na atividade rural. Era o caso de São José dos Campos, na época com cerca de 75 mil habitantes. Além da GM, outras indústrias chegaram na cidade na mesma época e, segundo os historiadores, enfrentaram problemas como a falta de mão de obra especializada.

O jeito foi levar funcionários que já trabalhavam na capital e trazer engenheiros da matriz, em Detroit (EUA), que ajudariam a implantar a empresa e formar a mão de obra para o complexo. Era o começo de outro problema porque São José dos Campos só possuía um hotel e poucos restaurantes para atender a demanda dos novos moradores. A solução da GM foi implantar um hotel e restaurantes dentro do complexo.

O diretor da fábrica desde a inauguração até 1975 foi Adalberto Bogsan, um húngaro que tinha como princípio aproximar a fábrica da comunidade. “Era muito querido pelos funcionários da fábrica. A GM hoje tem um clube de campo na cidade de Jambeiro, que só existe porque ele fez acontecer”, diz Paulino Varela, ex-funcionário.

- CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE -

“Havia um orgulho muito grande por parte dos funcionários da GM. Na volta do serviço, muitos pediam para descer no centro da cidade e tinham orgulho em exibir o boton da empresa. Os funcionários mais simples se julgavam bem posicionados porque a empresa apresentava benefícios incomuns para a época”, conta Edo Paiotti, historiador.

O novo cenário da cidade era tão diferente que casos de emergência que aconteciam em São José dos Campos eram atendidos pela brigada de incêndio da GM que era dona do único caminhão de bombeiro em toda a região. Posteriormente os bombeiros da cidade ganharam o primeiro caminhão, fruto de uma campanha encabeçada pela própria GM.

Década de 70: primeira mudança

Em 1968 a população já havia dobrado e neste período a fábrica se resumia a dois galpões: um produzia motores e o outro que produzia caminhões. Peças e motores produzidos em São José dos Campos seguiam para São Caetano do Sul porque lá estava a principal unidade. A década de 70 representou uma mudança radical, onde a fábrica assumiu protagonismo: encerrou a produção de caminhões e deu início ao projeto Chevette.

A fábrica foi ampliada para desenvolver o projeto 909, o primeiro conceito de carro mundial da empresa que deu origem à família Chevette. Foi o primeiro carro fabricado em São José dos Campos, lançado em 1973, enquanto a fábrica de São Caetano já produzia o Opala, desde 1968. Naquele período a fábrica teve o seu maior registro de funcionários: eram cerca de 15 mil, o dobro do que emprega atualmente.

Produção do Chevette, em São José dos Campos (Acervo GM)

O Chevette foi um sucesso de vendas, fabricado até 1993, quando foi substituído pelo Corsa, mas ganhou sobrevida em 1994, quando o então presidente Itamar Franco lançou incentivos para que montadoras vendessem carros com preços populares. A Fiat apostou no Uno Mille e se deu bem, já a Volks relançou o Fusca e a GM desenvolveu o Chevette Junior, com motor 1.0 a álcool. Um fracasso de vendas.

Em 20 anos, foram produzidos 1.600.000 Chevettes. Quem fechou o ciclo da família Chevette foi a Chevy, a versão picape, descontinuada em 1995 para a chegada da picape Corsa, também produzida em São José.

Década de 80: embates sindicais

A primeira greve da fábrica foi em 1979, quando o Sindicato dos Metalúrgicos parou a unidade em apoio aos movimentos que ocorriam na região do ABC Paulista. A década de 80 ficou marcada por duas grandes greves: em 1984, quando a fábrica parou por uma semana, e em 1985, por 30 dias.

As reivindicações eram a diminuição de jornada – de 48 para 44 horas semanais -, reajuste de 120% nos salários e melhores condições de trabalho.

Um clima de guerra que durou 28 dias (de 11 de abril a 8 de maio de 1985), sendo 17 de ocupação. A mobilização fez parte da Greve Geral dos metalúrgicos que havia se espalhado por todo o país e que foi interrompida com a morte do presidente eleito Tancredo Neves. Segundo o Sindicato, a trégua só não aconteceu na GM de São José dos Campos.

No dia 25 de abril a empresa divulgou que demitiria 93 funcionários envolvidos na greve por justa causa e isso motivou a ocupação da fábrica. “Havia grande pressão sobre os funcionários da produção e isso causou uma revolta. Então, em 1985, os chefes foram colocados em um círculo, formado por tambores cheios de gasolina, que chamávamos de ‘chiqueirinho’.

As cercas da fábrica foram eletrificadas e as portarias foram fechadas com barreiras de carros e tambores de combustíveis”, diz Josias Oliveira Melo, ex-funcionário e líder sindical.

Grevistas impedem a entrada de ônibus na fábrica (Acervo: Sindicato dos Metalúrgicos)

A greve deixou a cidade em uma expectativa inquietante. “O clamor não chegou a imitar as manifestações ocorridas em São Bernardo do Campo, com Lula à frente, mas o sindicato mostrou força. Porém, a médio e longo prazo, teve que conviver com a redução do número de sindicalizados”, destaca o historiador Edo Paiotti. A greve acabou porque a GM decidiu conceder reajuste e diminuir a jornada de trabalho, mas 400 funcionários ligados ao sindicato foram mandados embora.

Enquanto havia um embate e um clima de desconfiança entre funcionários e gerentes dentro da fábrica, chegava ao mercado uma nova linha de picapes grandes, formada por A20, C20 e D20: visualmente semelhantes, mas com mecânica diferente.

Funcionários durante a greve de 1985 (acervo Sindicato)

Também nesse mesmo período a empresa lançou um pacote de investimentos de US$ 200 milhões na preparação da fábrica para a implantação do ‘Projeto K’, que originou a família Kadett. A ideia da GM era criar um carro pequeno, de alto desempenho e apelo esportivo. A nova linha inovava ao trazer computador de bordo com funções básicas, como indicar o consumo de combustível do carro.

O primeiro Kadett saiu da unidade de São José dos Campos em abril de 1989. Era um carro para a classe média alta, equipado com os potentes motores 1.8 e 2.0. A produção na fábrica foi até 1994. Entre as unidades feitas estava o Kadett GSI Conversível (1992).

Em 1990, a GM lançou a perua Ipanema, derivada do Kadett e conhecida na Europa como Opel Kadett Caravan. A Ipanema entrou em um segmento acima da Chevrolet Marajó. A Marajó, no entanto, foi descontinuada em 1990. A produção do Kadett foi transferida para São Caetano do Sul em 1994 e foi encerrada em 1998. O modelo foi substituído pelo Chevrolet Astra, também fabricado em São Caetano.

Anos 90: a década do Corsa

O comercial acima é de 1994 e destaca o visual do Corsa, que já era popular na Europa naquela época. A preparação da fábrica de São José dos Campos para produzi-lo começou em 1992, quando a empresa lançou uma promoção interna para que funcionários adquirissem o veículo muito antes do lançamento.

“Eu estava na Espanha, em treinamento para fazer o Corsa, quando recebi a ligação de amigos sobre a oportunidade da empresa e que a promoção seria só por cinco dias. Na época, não tinha esta facilidade da internet e foi uma verdadeira ‘guerra de faxes’ para eu conseguir comprar o meu”, diz o ex-funcionário Paulino Varela, que recebeu o seu Corsa verde logo que o veículo foi lançado, em novembro de 1994.

Unidades da Trailbazer e S10 em frente a unidade de produção, em São José dos Campos (Foto: Divulgação GM)

O Corsa substituiu o Chevette e conseguiu bater o recorde de produção do antecessor em 1997: 223.487, que bateram os 98.552 Chevettes produzidos em 1980. A unidade do Corsa em São José dos Campos, já na segunda versão, foi desativada em 2012 para a chegada do Onix, que é produzido na unidade de Gravataí, no Rio Grande do Sul.

Modelos fabricados na unidade
Chevette, Marajó, Chevy1974 a 1993
Kadett e Ipanema1989 a 1999
A20, C20, D20 e Veraneio1985 a 1996
Corsa (hatch, sedã, picape)1994 a 2012
S10 e Blazer1995 a 2011
Meriva e Zafira2002 a 2012
Montana (primeira versão)
2003 a 2010
Classic (nova versão)2010 a 2016
S10 (nova versão), TrailBlazerDesde 2012

Anos 2000: apenas caminhonetes

Com a inauguração da unidade de Gravataí, no Rio Grande do Sul, e o projeto do Celta, a fábrica de São José dos Campos perde seu espaço de protagonismo. Da linha de populares, apenas o Corsa Sedan, que trocou o nome para “Classic” continuou na unidade. A unidade mantém a fabricação da Blazer e da S10.

Enquanto a GM no Brasil passa por mudanças de modelos e adota uma linha com veículos de menor expressão, se comparada a clássicos como Opala e Kadett, a matriz americana entra em graves dificuldades financeiras, que obrigou a empresa a adotar uma reestruturação mundial com reflexos no Brasil. O cenário nacional não era o mesmo: com a chegada de outras marcas, a GM perdeu mercado.

Na nova configuração da empresa no Brasil, preferiu-se levar a linha de veículos populares para o Rio Grande do Sul, que apresenta custos menores de produção, principalmente com mão de obra.

Em São José dos Campos a empresa reduziu a produção para ficar apenas com a unidade produtiva de caminhonetes. Contribuiu para isso uma batalha travada entre a empresa e o Sindicato dos Metalúrgicos que culminou em diversos protestos na porta da fábrica, períodos de greve, negociações de suspensão de contrato de trabalho e demissões.

A unidade de São José hoje abastece o mercado nacional e também os países vizinhos, mas a fábrica de quase 3 milhões de metros quadrados nem de longe tem o mesmo glamour do século passado. Um passado de muitas glórias.

Linha de produção da picape S10 (Acervo GM)

O texto original foi publicado em 2013 e revisado pelo autor para republicação em 2020.

Publicada originalmente em

- PUBLICIDADE -

destaques

comentários

Subscribe
Notificação de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários