O funcionamento de desmanches clandestinos em São Paulo é uma prática articulada por quadrilhas profissionais e chega a abastecer lojas de peças em vários estados do país, aponta uma investigação da Polícia Civil que teve uma operação deflagrada no final de julho deste ano.
A investigação, que Turboway teve acesso, aponta que quadrilhas de desmancheiros agem principalmente na zona leste da capital.
Em 2014 o Governo de São Paulo criou uma lei para regulamentar o mercado de peças usadas. A lei foi muito elogiada na época e acabou impactando no ramo criminoso, pois a norma diz que toda peça deve ter indicação de origem. Porém com o tempo as quadrilhas também se adaptaram a isso e mudaram dos “tradicionais” galpões clandestinos para locais públicos.
Assim, quando a Polícia Militar chega, eles simplesmente abandonam o veículo que está sendo desmontado. No Jardim Pantanal, por exemplo, os veículos são desmanchados nas ruas da comunidade e o que sobra é lançado no Rio Tietê.
No extremo leste da capital, na divisa entre o bairro Cidade Tiradentes e a cidade de Ferraz de Vasconcelos, o programa Fantástico, da TV Globo, flagrou veículos sendo desmanchados pelos bandidos em uma área da Sabesp, empresa que pertence ao Governo de São Paulo.
Em 1 hora o carro vira sucata
No caso do Jardim Pantanal, a Polícia identificou que o trabalho clandestino é abastecido diariamente com veículos roubados nas mais diversas regiões de São Paulo. Basta 1 hora para que sobre apenas a sucata do veículo. Aí as peças são transportadas de van e acabam em lojas de peças de carros controladas pela própria quadrilha.
Parte das peças, segundo a Polícia, vai parar em outros estados. Foram identificadas remessas de peças de veículos roubados para a Bahia e também para o Maranhão. Essas peças eram anunciadas até nas páginas destas lojas no Instagram.
O elo entre as lojas e os desmancheiros é o líder da quadrilha, um homem que segundo a polícia se apresenta como empresário do ramo de autopeças e foi preso em julho. As lojas dele e dos comparsas misturam as peças dos carros roubados com peças legalizadas, burlando assim a fiscalização do Detran que se baseia na lei de 2014.
Carro vale R$ 2 mil na mão do bandido
A investigação também aponta a cadeia financeira da quadrilha. Quando um veículo é roubado, quem pratica o crime é uma pessoa que só tem essa função e chega a receber de acordo com a importância do veículo.
Por exemplo, um Hyundai HB20 tem peças valiosas no mercado negro e as quadrilhas visam este tipo de veículo. E aí um ponto relevante: o criminoso que rouba já sabe qual o veículo de interesse. Geralmente ele obedece uma lista que vai atender o receptador final da peça.
Depois, quando o carro já está no bairro e é desmanchado, ele vira um “pacote fechado” no meio criminoso. O mesmo HB20 do exemplo vira um amontoado de peças em uma van que custa R$ 2 mil para o seu cliente final.
Quem desmontou leva de R$ 150 a R$ 250. Geralmente a quadrilha terceiriza esta mão de obra e contrata até 8 pessoas para desmontar um veículo. E esse desmonte funciona em uma área aberta e como uma linha de produção: diversos veículos desmontados em sequência.
Ciclo sem fim
Quase 10 mil veículos são roubados ou furtados todos os meses no Estado de São Paulo. Esse número engloba desde motos até caminhões. Nem a prisão de uma quadrilha inteira, como foi feito em julho, impacta fortemente nesta estatística.
Na mesma semana da prisão do homem apontado como líder da quadrilha em São Paulo, pelo menos 8 veículos foram desmontados na mesma área investigada pela Polícia. Isso acontece porque as quadrilhas se adaptam, trocando endereços do local de desmonte e também do local de destino das peças.
As pessoas que desmontam acabam sendo praticamente as mesmas. Como as penas para os crimes de receptação e adulteração de sinais de veículo são baixas, estes indivíduos acabam sendo fichados e liberados. E aí não há segredo: acabam voltando para o crime, o que é comprovado pelas inúmeras passagens semelhantes que alguns que foram detidos em julho tinham na ficha criminal.