Caoa, propaganda na novela e planejamento: os segredos para o sucesso da Chery

Demorou mais de uma década, mas a Chery finalmente pode dizer que cumpre o objetivo que a fez vir ao Brasil: estar entre as 10 marcas mais vendidas, com cerca de 3% de participação de mercado.

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A montadora fechou maio com 3.186 unidades emplacadas, ultrapassando a Ford (em franca queda) e chegando ao décimo posto entre as mais comercializadas do país, e 2,3% de participação. Em maio de 2019, o último antes da pandemia, a montadora vendeu 1.750 carros, fechando o mês em 12º, com apenas 0,88% do mercado.

Se voltarmos mais tempo, fácil notar a ascensão da chinesa. Em maio de 2016, quando já fabricava carros em Jacareí/SP, a Chery agonizava com apenas 241 vendas, na 21ª e última posição da Fenabrave daquele mês, atrás mesmo de marcas de luxo que vendem menos, como Volvo e Land Rover. A asiática teve apenas 0,18% de participação de mercado, praticamente nada.

Caoa Chery

Veja a evolução na tabela abaixo:



MaioVendasPosiçãoParticipação
201624121º0,18%
20191.75012º0,88%
20213.18610º2,23%

Olhando o número de 2016, muitos concordariam que era hora de dar adeus ao país e que tudo estava acabado. A empresa fez o oposto.

Do início nebuloso aos investimentos na fábrica de Jacareí/SP

A Chery chegou oficialmente ao Brasil em 2009, integrando o boom de chinesas, que incluía principalmente a JAC Motors e a Lifan. Era uma época de dólar baixo, aquecimento da economia e do consumo por carros, o que animou os asiáticos – e animaria qualquer um.

Porém os chineses erraram no approach. Mesmo tendo bons carros, com bom acabamento e grande confiabilidade na China, a estratégia das montadoras foi importar para o Brasil os carros mais baratos possíveis e brigar pelo bolso do brasileiro, fazendo assim lucro por massificação de vendas e não por rentabilidade por unidade.

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O brasileiro, no entanto, torceu o nariz quando viu a qualidade do carro chinês e preferiu desembolsar um pouco mais para ter um popular nacional, mesmo que com menos equipamentos. Não são poucos os arrependidos de ter comprado um Chery QQ e depois terem casado com o carro, após uma tentativa frustrada de revenda.

Quando as montadoras perceberam a rejeição, era tarde. Não adiantou trazer modelos melhores, compatíveis com os carros daqui. Nada parecia tirar aquele ranço do brasileiro com o carro made in China. Foi aí que a Chery deu seu passo mais ousado: criar o Chery made in Jacareí.

Com a presença de autoridades, incluindo o ainda discreto e então vice-presidente Michel Temer, em julho de 2011 a Chery lançou a pedra fundamental de sua primeira fábrica no país, no interior de São Paulo, com investimentos de US$ 400 milhões.

Michel Temer, então vice-presidente, recebe comitiva chinesa na chegada ao país

Os primeiros modelos só começaram a sair da linha em agosto de 2014, quando o país já atravessava um momento ruim na economia, com arrefecimento nas vendas e pessimismo entre investidores.

Há algumas linhas dissemos que a Chery emplacou apenas 241 carros em maio de 2016. Ou seja, menos de dois anos depois de começar a fabricação, ela afundava rumo ao fundo do poço.

É possível dizer que os chineses pensariam duas vezes se soubessem que o Brasil empacaria a economia dali para frente. Mas eles persistiram mais uma vez. E a saída veio com uma sigla de quatro letras: Caoa.

A Caoa compra 50% da Chery brasileira

Carlos Alberto de Oliveira Andrade, ou simplesmente Caoa, tem fama de Midas, aquele personagem da mitologia que transformava em ouro aquilo que tocava. A Caoa comprou metade da Chery brasileira e mudou a estratégia de atuação.

A Caoa tinha outra fábrica, em Anápolis/GO, onde ela já montava veículos Hyundai. Ela diversificou a atuação, usando a planta para montar também veículos Chery. Sem precisar investir muito, ela conseguiu colocar mais modelos no mercado, incluindo o Tiggo 8. Mas para tirar a impressão negativa do brasileiro era preciso mais. Foi aí que entrou o investimento pesado em propaganda.

Chery na novela

Todo brasileiro já assistiu mais de uma vez a propaganda do Tiggo 8 na novela das 9 da TV Globo. Em todo começo de capítulo há uma pausa rápida para sabermos as vantagens do SUV premium da montadora. E não importa a novela. A Caoa Chery comprou o horário até 2023. Serão cerca de duas mil inserções diárias, ao custo de mais de R$ 1 bilhão pagos à Rede Globo.

Não foi só na televisão. Por semanas, em 2019 era possível comprar os jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo com a mesma cara, uma sobrecapa com propaganda de carros da Chery eclipsando as notícias do dia. Na Veja, Época e outras importantes revistas foram páginas e mais páginas estampando o Tiggo 5X e o Tiggo 8.

Caoa Chery
Propaganda nobre: além da novela, a Chery anunciou na capa dos principais jornais do país

Tanta agressividade se refletiu em vendas. O Tiggo 8, principal alvo das propagandas, emplacou 846 unidades só em maio. Sozinho, é quase o quádruplo da Chery inteira em maio de 16. E estamos falando de um carro de R$ 170 mil, que briga em um segmento disputadíssimo. É um carro muito rentável para a Chery, que a deixa mais confortável nos negócios.

O Tiggo 5x também se deu bem. Fechou maio de 2021 como o 35º mais vendido do país, um grande feito para um carro chinês que beira os R$ 100 mil.

Planejamento é tudo

Praticamente todas as montadoras com unidades no Brasil tiveram que parar a fabricação em algum momento por falta de semicondutores. E aí entra outra virtude da Chery. Apenas ela e a Fiat não tiveram problemas até aqui.

As fábricas não pararam, não houve gargalo entre um pedido de compra e uma entrega, ninguém deve ter deixado de comprar um Chery por falta de unidade nas concessionárias. E pra ajudar, não dá para descartar que alguém tenha preferido um carro de pronta entrega da Chery, ao saber que o modelo que ela queria originalmente estava sem previsão de entrega pela montadora vizinha.

Para finalizar a boa maré da asiática, a saída da Ford ajudou a pulverizar o mercado, mesmo com o Ford Territory, um concorrente direto do Tiggo 8, ter sido mantido no catálogo como importado. Mas, com a loucura do dólar alto, a tendência é o Territory encarecer e se desgarrar cada vez mais da faixa do Tiggo 8, abrindo mais espaço para a Chery fincar de vez sua presença no mercado brasileiro.

Publicada originalmente em

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