Brasil vs Coreia do Sul. Entenda por que as indústrias automotivas são tão diferentes

Enquanto o Brasil privilegiou a industrialização com as multinacionais, a Coreia do Sul colocou regras para que grupos locais acompanhassem a evolução da indústria

A Coreia do Sul tem hoje a quinta indústria mundial em produção de automóveis. A Coreia do Sul tem cerca de 50 milhões de habitantes e é praticamente do tamanho do estado de Pernambuco. Mas você já parou para se perguntar por quê um país pequeno como a Coreia tem empresas automobilísticas nacionais que estão por todo o planeta e o Brasil não?

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Fábrica da Hyundai em Seul tem acesso ferroviário e portuário livre (foto: Hyundai/ divulgação)

Para entender um pouco melhor, a indústria automobilística nasceu no início do século passado. Porém o automóvel passou anos sendo um veículo para poucos. A maior parte dos veículos montados neste período era para cargas e só quem tinha muito dinheiro conseguia comprar um carro de passeio.

Após a Segunda Guerra Mundial isso mudou. Isso por que as indústrias já tinham nessa época uma capacidade muito maior de produção. Isso barateou o custo do produto e aumentou a oferta.

O início aqui e o início lá

No Brasil essa mudança resultou em uma política do governo da época em privilegiar a construção de estradas e incentivar a instalação das indústrias. Isso serviu não apenas para incentivar o mercado de automóveis no país como também sufocou o transporte ferroviário.



Placa em São José dos Campos indica a chegada da GM na cidade em 1959 (foto: acervo/GM)

Houve um movimento a favor da indústria nacional nos anos 50. A FNM (lê-se fenemê), por exemplo, era uma estatal que chegou a fabricar carros com projetos licenciados da Alfa Romeo. Só que em 68 o governo do regime militar vendeu a FNM para a Alfa Romeo. Esse foi o mesmo caminho de várias indústrias nacionais brasileiras, o que resultou na hegemonia de quatro grandes marcas até os anos 90: Ford, Fiat, Volkswagen e Chevrolet.

Agora voltando à Coreia do Sul. Em 1962 o país estabeleceu uma lei específica para a indústria automotiva local. Essa lei dizia que as marcas estrangeiras poderiam operar no país apenas se fizessem sociedade com empresas nacionais. Esse modelo de negócio é parecido com o que a Caoa tem com a Chery no Brasil.

Três indústrias nacionais participaram deste início sul-coreano. Destas, duas estão em operação até hoje. A Kia, hoje pertencente à Hyundai, e a Ssangyoung (que ainda não tinha esse nome), que esteve perto da falência e hoje pertence à outro grupo sul-coreano.

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Depois viram Asia e Hyundai. A Asia Motors, uma empresa estatal, em 1965. Ela ficou conhecida na década de 90 no Brasil por vender as vans Towner e Topic. A marca foi absorvida pela Kia e hoje não existe mais.

A Hyundai surgiu em 1968 como uma parceira da Ford. Importava as peças para montar no país. A Hyundai só iniciou como indústria independente em 1974, quando construiu o “Pony”, seu primeiro carro que tinha mecânica Mitsubishi e desenho de Giorgetto Giugiaro. Falamos um pouco do Pony aqui.

Hyundai Pony foi o primeiro Hyundai desenhado e fabricado pela própria empresa (foto: reprodução)

O Pony foi inclusive o primeiro carro fabricado pelo país a ser exportado. O Brasil não o recebeu porque na década de 80 havia restrição aos produtos importados, mas Colômbia e Venezuela tiveram o Pony. Foi também nos anos 80 que a Hyundai abandonou motores de outras marcas e construiu o seu próprio.

Além destas marcas, ainda teve a Daewoo que entrou no mercado em 1982 e posteriormente foi comprada pela GM, que encerrou a marca em 2010.

Daewoo espero foi fabricado entre 90 e 99 e usava motor da 1.8 e 2.0 da GM (foto: Daewoo/ divulgação)

A Samsung, a mesma que fabrica TVs, entrou no ramo automotivo em 1998 e não decolou. Atualmente ela é uma subsidiária da Renault, que detém 80% da empresa. Um dos destaques da Samsung no mercado sul-coreano é o Samsung XM3, que é o Renault Arkana com o logo da marca (foto abaixo).

Tigres asiáticos

Para entender a força que as marcas sul-coreanas mostraram a partir dos anos 90 é preciso explicar que a Coreia do Sul é um dos territórios que formaram os “Tigres asiáticos”.

Junto com Hong Kong, Singapura e Taiway, a Coreia passou por um processo de industrialização muito intenso entre 1960 e 1990. Isso fez com que a economia destes países se destacasse e com capacidade plena de operação já não era suficiente apenas o mercado interno. Expandiram e chegaram à Europa e América.

No Brasil essa chegada foi um pouco tardia. Aconteceu em 1992 por que até então a economia protegia as marcas que já estavam instaladas no Brasil.

Invasão no Brasil

Com a abertura de mercado o Brasil foi invadido por importados sul-coreanos. Quem viveu nesta época lembra da van Kia Besta, que ficou marcada pelo nome curioso. As vans sul-coreanas tiraram o sono da Volkswagen Kombi, já que eram mais baratas e eram mais confortáveis. A qualidade de construção e o motor ainda eram duvidosos. Por isso as marcas asiáticas naquele momento carregaram uma má fama.

A chegada da Hyundai, Kia e Asia ao Brasil não ocorreu por meios próprios. As marcas eram representadas por grupos nacionais. Nessa época a Asia já era de propriedade da Kia. A Hyundai foi e ainda é parcialmente representada no país pelo grupo Caoa.

A Caoa teve papel fundamental em desassociar a má fama que citei acima. O SUV Tucson, inicialmente importado e depois montado aqui, é marco importante desta segunda fase da marca coreana no país.

HB20 é um projeto feito no Brasil pela Hyundai e conquistou o consumidor local (foto: Hyundai/ divulgação)

A Hyundai só chegou por meios próprios ao Brasil em 2012. Projetou e construiu um produto exclusivo, que é o HB20 – atual vice-líder de vendas no ranking de veículos brasileiros.

Como ainda havia um acordo com a Caoa, ficou estabelecido uma divisão onde a Hyundai vende os produtos fabricados por ela própria no interior de São Paulo. Já a Caoa produz SUVs da marca em Anápolis e também tem preferência na importação de outros.

A Kia ainda está no Brasil representada pelo grupo Gandini. Já a Asia acabou deixando o país de uma forma problemática: não recolheu todos os impostos dos anos 90 e deixou uma dívida milionária. Em 2012 o STF decidiu que a Kia não era responsável por essa dívida. Ficou o rombo.

Jipe Asia Rocsta teve algumas unidades vendidas no Brasil (foto: reprodução)

E como é atualmente o embate da indústria automotiva nacional versus a indústria automotiva sul-coreana?

A Hyundai produz no Brasil e importa modelos da Coreia do Sul, como o Azera. A Kia traz seus carros de suas fábricas na Coreia e também do México. A Ssangyong já importou, mas atualmente não tem representação no país. Na outra ponta, nenhum carro fabricado no Brasil (por indústrias estrangeiras) é exportado para a Coreia do Sul. Goleada coreana.

Textos da Copa
Esse texto faz parte de uma série de textos jornalísticos de Turboway influenciados pelo clima de Copa do Mundo. Leia outros que publicamos aqui.

Publicada originalmente em

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