Atuais governos estão tratando o mercado automotivo como fiador de uma crise, mas uma montadora já deu o recado: o país não está na condição de impor o que bem entender.
Como pode um imposto sobre o carro usado saltar mais de 200% do dia para a noite? O que justifica esse aumento? Em que momento os revendedores de automóveis passaram a ser fiadores do Coronavírus? Após meses patinando nas vendas devido ao cenário da pandemia, os revendedores de carros usados de São Paulo foram saudados com esse desestímulo imposto pelo Governo do Estado de São Paulo.
O aumento absurdo do ICMS de São Paulo vai criar um efeito dominó, já que a maior parte da compra de carros novos (que também teve o ICMS elevado de 12% para 13,3%) é feita mediante a entrega de um carro usado. Agora, além da injusta desvalorização de mercado, o consumidor terá embutido nesse valor o alto ICMS que o revendedor repassará. É quase que assumir que seu carro usado, que hoje vale R$ 40 mil, será comprado por menos de R$ 30 mil. Quem topa fazer negócio assim? E o governador, que já se disse a favor do liberalismo econômico, segue em silêncio.
“Nenhum país do mundo aumentou impostos na pandemia. Pelo contrário, neste momento estão dando incentivos para toda a indústria, não só automotiva, para se recuperarem”
Luiz Carlos de Moraes, presidente da Anfavea, a associação nacional dos fabricantes
Foi na década de 50 que as primeiras montadoras chegaram ao Brasil, estimuladas por um plano ambicioso do governo brasileiro que incluiu até o lamentável desmantelamento das ferrovias para estimular o transporte rodoviário. De lá para cá foram sucessivos planos de estímulo à indústria nacional, até que chegamos aos tempos atuais.
Falta um plano, sobra discurso
Nas últimas eleições vários candidatos surgiram com o discurso que o mercado se autorregula e que os planos de incentivo são uma generosidade desnecessária do Estado para empresas multimilionárias. “Quem não dá lucro, fecha”, segundo o presidente.
Todo esses discursos carregam um tom de liberalismo econômico, mas mostram que o Brasil atual goza de uma autoestima de mercado que causa inveja até nos mais maduros mercados mundiais. E esses mercados tem muito interesse em levar algumas de nossas indústrias e ao final vender os carros aqui. A dica sobre isso já foi dada na primeira entrevista do presidente do novo grupo que reúne Fiat e Peugeot.
Não dá para o país dar mais conta para o mercado automotivo e ao mesmo tempo descontinuar qualquer plano de incentivo. Pior: o Governo Federal está aplicando um calote em montadoras que se instalaram no Brasil e aderiram ao finado programa Inovar Auto. A Audi decidiu não produzir mais no país enquanto não receber os valores que o programa lhe prometia, que nada mais é do que parte dos impostos que ela já pagou. Não é algo ilegal ou oculto, eram as regras do jogo.
A questão final é: o Brasil tem um mercado automotivo grande, mas ao largar esse mercado a deriva acaba esquecendo que outros países com mercado semelhante podem atrair quem quer sair daqui. O México é um desses países e está vendo no acaso brasileiro uma oportunidade enorme. E é necessário ressaltar que a cada “demonstração de auto-estima dos governos”, quem sofre é o revendedor, o consumidor, o funcionário, o fornecedor. Os grandes não sofrem, eles simplesmente vão lucrar em outro lugar.