O conflito é essencial em uma narrativa porque é o que impulsiona a trama, cria tensão e mantém vivo o interesse do leitor ou espectador. Sem conflito, a história pode se tornar monótona e previsível, perdendo sua capacidade de envolver o público.
A premissa acima é utilizada há um século em filmes, série e novelas. Mas em ambientes não controlados, como a Fórmula 1, a boa trama depende de personagens reais. E a depender deles, A F1 corre o risco de ver o envolvimento do público se esvair logo no começo da temporada 2024.
A culpa disso é do protagonista. A vitória de Max Verstappen no GP do Bahrein, da forma que foi, de ponta a ponta, com pole e melhor volta – o chamado Grand Chelem (ou Grand Slam), é péssimo para as pretensões da categoria. Reforça a ideia de domínio do piloto, que se estende desde as temporadas passadas.
O domínio de Verstappen foi muito fora da curva. Em geral, as primeiras corridas do ano costumam ser mais caóticas. As equipes ainda não estão afiadas com o novo carro, o desenvolvimento de componentes ainda não aconteceu, os testes não foram ainda determinantes, então dificilmente alguém sai na frente. Pelo contrário, muito piloto grande acaba quebrando o carro, por exemplo. No GP do Bahrein não ocorreu nada disso com Verstappen.
De fato, a temporada 2024 parece a continuação da temporada 2023. Por culpa da produção e do enredo, temos o mesmíssimo elenco. As mesmas duplas de pilotos que terminaram 23 estão alinhadas para 24. Mudança, mesmo, apenas nos nomes de duas equipes. A Alfa Romeo virou Kick Sauber – e seu verde berrante – e a AlphaTauri perdeu a graça no nome e agora é a RB.
É como se todo o elenco de uma série fosse automaticamente renovado para temporada seguinte. Com a diferença que, na F1, a mudança é sempre saudável e ajuda a dar uma reanimada nas coisas. Não vai ser o que veremos. A não ser por uma rusga entre Ricciardo e Tsunoda, algo totalmente fora da curva, não há motivos para esperar por tretas homéricas.
Ricciardo e Tsunoda brigaram, simplesmente, porque o piloto japonês não aceitou ceder o 13º lugar para o companheiro de equipe, àquela altura o 14º. Não fez sentido o pedido da equipe, assim como não pareceu razoável o chilique de Tsunoda, que jogou o carro pra cima do companheiro após a bandeirada final. Mas para um enredo ser bom é importante ter esses conflitos, ainda que bizarros.
A briga entre os pilotos da RB é pouco para animar. É como aquele núcleo de novela, que nem se relaciona com os protagonistas e antagonistas, mas que serve pra dar um respiro à trama principal e agradar o público com algum humor raso. Mas que nos momentos decisivos, nem aparece muito, dando lugar ao brilho do enredo principal – focado em concluir a história.
O problema será esse. A briga entre os dois coadjuvantes é muito pequena diante do principal da temporada. Todo mundo queria ver alguem incomodando o líder. Queria ver algum suor escorrendo do protagonista. Até Rambo tinha seu momento de medo e angústia antes de triunfar no final.
Contrariando a emoção, Verstappen já largou muito à frente dos demais – para ser exato, 22 segundos à frente do segundo colocado, o companheiro de equipe Pérez. O Grand Chelem na corrida 1 comprova o domínio. O público já se pergunta com quantas corridas de antecipação virá o tetra do holandês. Um completo marasmo.
A temporada 2024 parece tanto uma continuação com a 2023, que já tem gente olhando, mesmo, para 2025. Será nela que teremos um novo pacote de regulamento que poderá dar uma remexida nas coisas e que, principalmente, trará um ar de novidade.
Lewis Hamilton guiará pela Ferrari. O que esperar? E muito provavelmente teremos novidades em duas grandes equipes. Fernando Alonso, aos 44 anos, guiará pela Mercedes? Quem vai ocupar o lugar de Pérez na Red Bull? Por fim, teremos brasileiro titular no grid após 8 temporadas?
O público dará, no próximo fim de semana, no GP da Arábia Saudita, mais uma chance para a categoria provar que pode oferecer mais conflitos em 2024. Mas paciência tem limite.