Ele queimou a largada e se perdeu na curva. É possível definir assim o Titan, projeto desenvolvido do zero pela Apple, mas que nunca sairá do papel, mesmo depois de a empresa ter investido R$ 50 bilhões em mais de uma década de desenvolvimento.
O projeto, tratado no início como secreto, previa a criação de um carro inédito, com tudo o que de mais moderno de tecnologia fosse possível colocar em um modelo sobre rodas. Com o tempo e as dificuldades de gestão, o projeto foi sendo alterado. Chegou a ser considerado, internamente, como o grande rival da Tesla e, perto do fim, mirou outro concorrente de peso, o Google.
A derradeira tentativa foi rivalizar com os carros autônomos do Google, mas esse foi só mais um projeto fracassado, no que internamente acabou sendo chamado de Titanic, um trocadilho para o nome original Titan.
Foram muitas as demissões ao longo do tempo e gastos em desenvolvimento e criação de patentes que, juntas, acabaram drenando US$ 10 bilhões em investimentos. Em geral, projetos assim acabam custando alto, mas, no fim do processo, todo o investimento é recuperado e um grande lucro entra para a marca quando ele chega e estoura no mercado. Não vai acontecer.
Especula-se que o ponto final do projeto ocorreu quando os executivos perceberam que, nesse ponto do que já foi gasto, ele só se tornaria viável se os modelos fossem vendidos a US$ 100 mil – cerca de R$ 500 mil. Todos perceberam que seria dinheiro demais e que o consumidor não iria comparecer, mesmo aqueles que gastam o que for para ter modelos da Apple.
Na última terça-feira, a Apple anunciou que o projeto Titan está morto. Parte do time envolvido no projeto foi realocado em outros setores, principalmente o de inteligência artificial, onde a Apple gasta outros bilhões de dólares. Outra parte dos funcionários acabou demitida. Foi só mais uma demissão em massa no Titan.
O fim do projeto do carro foi mais uma prova de que a Apple tem lutado para desenvolver novos produtos desde a morte de Steve Jobs, em 2011. O esforço teve quatro líderes diferentes e conduziu várias rodadas de demissões. Mas piorou e acabou fracassando, em grande parte, porque o desenvolvimento do software e dos algoritmos para um carro com recursos de direção autônoma se mostrou muito difícil. O desafio se estende a outras montadoras.
O próprio Google admite que não é fácil desenvolver os modelos autônomos, mas considera manter o projeto até o fim por estar mais à frente de rivais. Assim que a empresa conseguir chegar ao ponto chave do desenvolvimento e lançar o carro, certamente será o momento de lucrar rios de dinheiro e superer tudo o que ela gastou até aqui. A Apple não teve essa paciência.
A fabricante de iPhones sabe que a demanda pelos celulares deve diminuir nos próximos anos e, por isso, a empresa abriu novas frentes de trabalho, que buscam aumentar o seu leque de produtos. Como a demanda por transporte deve movimentar US$ 2 trilhões – R$ 10 trilhões – nos próximos anos, a montadora quis a fatia dela. Mas pelo menos essa grana deve ficar com a concorrência – e grande parte, mesmo, com as empresas da China, líderes em mobilidade do futuro.