Documentário conta virtudes do campeão e é uma espécie de sequência do filme do Senna, de 2010.
Os fãs de Fórmula 1 que consomem todo tipo de conteúdo a respeito devem ficar com duas sensações depois de ver o documentário sobre Schumacher na Netflix: o piloto alemão realmente era especial apesar de humano e essa foi uma sequência do bilhante filme Senna, do diretor Asif Kapadia, de 2010.
O filme de Senna contou uma fração importante da história da Fórmula 1, de 1984 a 1994, com o foco, é claro, no tricampeão. “Schumacher”, dos diretores Hanns-Bruno Kammertöns, Vanessa Nöcker, Michael Wech avança para o intervalo seguinte, de 1991 a 2006, com uma pequeníssima pincelada do retorno do alemão à F1 pela Mercedes, em 2010.
O filme da Netflix faz algumas referências a Senna, incluindo a trágica morte no GP de Ímola, agora sob a perspectiva da então promessa da Benetton. Gasta um bom tempo com uma antiga entrevista do alemão sobre a morte do brasileiro, com suas impressões e angústias. É sem dúvida um momento importante e justo para os fãs.
Outro trecho marcante foi quando o brasileiro chamou o alemão de canto para lhe dar uma bronca depois de uma barbeiragem do novato, no GP da França, de 1992. O episódio é até hoje lembrado em rodas de conversa por aqueles que apontam que Senna foi o maior de todos os tempos.
O filme não tenta em nenhum momento entrar nesta discussão de quem foi melhor. Preferiu mergulhar na vida do piloto e nos fazer entender como alguém consegue vencer a principal categoria do automobilismo por sete vezes. Fez muito bem.
O documentário avança rápido, sem se prender a nenhuma história por muito tempo, mas cada episódio é bem pensado para dar liga à história seguinte, deixando a narrativa fluida.
Contado praticamente de forma linear, explora bem a infância de Schumacher. Muitos não sabem – e o filme faz questão de frisar – que Michael veio de família muito humilde. Seus pais eram donos de uma barraca de comida de rua e o sucesso no automobilismo era improvável.
Para cortar custos, o alemão usava pneus de kart jogados no lixo por outros pilotos. Gastos e lisos, eram usados mesmo na chuva, possivelmente uma explicação para o talento que ele apresentou em pista molhada ao longo de sua carreira. Outro momento de humildade mostrado foi quando o jovem piloto vibrou ao vencer uma corrida e ganhar 460 marcos, algo como R$ 1.400.
Também por pouco dinheiro, ele, ainda adolescente, competiu sob a bandeira de Luxemburgo. “É porque os treinos classificatórios na Alemanha custam caro e se formos eliminados não nos classificarmos para o Mundial. Em Luxemburgo somos os únicos competidores, não custa nada e nos classificamos”, contou o jovem já estrategista.
A medida que o doc avança, cria-se uma empatia por Schumacher. É importante lembrar que a produção teve suporte da família do piloto, incluindo a esposa, Corinna. Não é errado dizer que ela opinou sobre o conteúdo, como antecipamos na época do anúncio do filme. O filho Mick Schumacher também dá entrevistas, assim como a irmã Gina, o pai Rolf e o irmão Ralf.
Por outro lado, o filme toca em assuntos espinhosos, como quando Michael foi acusado de jogar seu carro duas vezes contra oponentes e que lhe valeram a antipatia dentro e fora das pistas. A segunda ocasião, na briga pelo título de 1997, é tratada como ponto de virada no filme, com Schumacher sofrendo as consequências por um longo período.
A parte negativa da vida de Schumacher talvez tenha se arrastado além da conta, ganhando minutos extras por um período que não marcou tanto assim sua a carreira. Mas como narrativa dramática faz sua função. O segundo ponto de virada é sua reconstrução com a equipe Ferrari.
O documentário conta o longo período de seca do piloto, já bicampeão, tendo dificuldades em dominar a Ferrari durante árduos quatro anos. Uma entrevista importante foi a de Jean Todt, então chefe de equipe, que revelou que a equipe pensou em dispensá-lo e trocá-lo por Hakkinen, bicampeão pela McLaren. Essa é uma declaração reveladora.
A corrida que deu o título de 2000, o primeiro pela Ferrari, foi genialmente contada em uma sequência frenética de pits stops entre Schummy e Hakkinen. O alemão venceu na estratégia e fez questão de agradecer seu estrategista Ross Brawn, pelo rádio. Um primor de edição.
Curiosamente, a série deu mais espaço para as quatro anos de seca na Ferrari, de 1996 a 1999, do que para os cinco títulos, de 2000 a 2004. Mas este talvez seja o resumo de Schumacher, aquele que venceu as adversidades e, principalmente, as fez com paixão.
A parte final e mais triste conta o período posterior às pistas. O momento mais esperado pelos fãs foi abordado. O acidente na pista de ski em Méribel, Alpes Franceses, em dezembro de 2013 e a consequente vida limitada que o piloto vive desde então. Sem detalhes, o que foi justificado pela esposa, que comparou o momento reservado ao tratamento discreto que o próprio Michael dava à família.
Assim como o filme de Senna, o de Schumacher culmina na tristeza pela perda, desta vez de um piloto vivo, mas que nunca poderá contar novamente a própria história. Felizmente existem outros para isso. Schumacher na Netflix é imperdível para os fãs do esporte.
Schumacher na Netflix: sem outros brasileiros e sem Alonso
Schumacher na Netflix decide ignorar por completo dois pilotos brasileiros que foram companheiros do alemão. Não há nenhuma referência a Rubens Barrichello ou a Felipe Massa, que poderiam ajudar a traçar um pouco mais do perfil competitivo do alemão. Rubinho aparece mais por erro de edição, quando o filme confunde as Ferraris e exibe equivocadamente a de Rubinho como sendo a de Schumacher.
O único ex-companheiro que dá entrevistas é Eddie Irvine, que é usado mais para contar a parte negativa da Ferrari.
Fernando Alonso, piloto que conseguiu romper com a série de títulos do alemão em 2005, e depois em 2006, também não foi sequer citado. Flávio Briatore, chefe dos dois pilotos em momentos diferentes por Benneton e Renault, poderia ter dado seu parecer sobre o campeonato de 2005, mas não foi o que aconteceu.